segunda-feira

Discurso de posse do Dr. Roque José de Oliveira Camêllo
















Tributo à Princesa Isabel

Discurso de posse do prof. Dr. Roque José de Oliveira Camêllo, em 20 de novembro de 2010 – Patrona: Princesa Isabel – Cadeira n° 66 – Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.


Foi uma apoteose que merece ser revista por nós de tal modo que nos transportemos àquele Salão Nobre do Paço da Cidade. 13 de maio de 1888, uma bela tarde de domingo! Assim, os convido. Não há necessidade de nós nos paramentarmos à moda das circunstâncias. Apenas, sejamos um grupo a mais a subir os degraus do Paço. Ocupemos-lhe qualquer canto ou suas janelas com o objetivo de unir o 1888 a este 2010. E lá se vão 122 anos e nós ali, diante da Princesa Isabel, do Conde D’Eu, do Ministro João Alfredo, da Delegação Oficial das Câmaras portadora do histórico documento aprovado pelo Legislativo. Deixemos, tão só, que nossa alma, nosso coração e nossa mente se misturem aos milhares que, naquele ambiente sóbrio e nobre e na praça e ruas vizinhas, não se contêm de entusiasmo.
É indescritível. Vê-se que o estado de espírito é de irrefreável regozijo. A Princesa Regente, de nome tão extenso, Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, inclina-se à mesa e sanciona a tão esperada Lei Áurea, fruto de tanto martírio, sobretudo o martírio da consciência de milhares e do sacrifício de milhões. Um profundo e religioso silêncio quase permite ouvir o deslizar da pena de ouro e pedraria, oferecida à Princesa pela Confederação Abolicionista, sobre um papel, uma simples folha que, neste instante, passa a ser nosso patrimônio moral. O Rio de Janeiro explode em delírio enquanto nós descemos a escadaria do Paço e nos encontramos com a História.

Vale, porém, registrar antes o que a Princesa Regente, que recebia, a partir daquele momento, outro nome, a Redentora, escrevera do próprio punho para a Comissão Legislativa: “seria o dia de hoje um dos mais belos de minha vida, se não fosse saber meu Pai enfermo. Deus permitirá que ele nos volte para tornar-se como sempre útil à nossa Pátria.”(1)
Já palmilhando a História, seria interessante ouvir a própria voz da Princesa Isabel. Como não é possível, leiamos parte do que escreveu em dezembro de 1888.
Como a opinião abolicionista em mim ganhou terreno tão depressa? A idéia, já de todo tempo minha, por si era humanitária, moralizadora, generosa, grande, apoiada pela Igreja, a escravidão em si era um atentado, os senhores já de tal atentado por demais tinham gozado [...] Meus filhos, se mais tardes lerdes este papel, lembrai-vos de que se vossa mãe assim procedeu nesta grande questão da abolição foi na convicção de que seria melhor à pátria, por quem tinha obrigação de velar, e a vocês, a quem deixaria o nome de sua mãe e o trono limpos de qualquer piche de egoísmo e de fraqueza [...] Deus me ajudou, meus filhos, procedendo inteiramente como minha consciência me mandava.(2)
Como repórteres de ocasião, antes do mergulho no tempo de mais de 122 anos, ainda podemos ouvir os aplausos retumbando no salão, prolongando-se pelas dependências do Paço, ganhando a praça, aquela população ali comprimida e representativa de toda uma nação. Havia como que uma espontânea palavra de ordem para que as classes se reconciliassem.
José do Patrocínio, completamente extasiado, cai aos pés de Isabel e tenta beijá-los. Entre soluços e lágrimas, saem-lhe estas palavras: “Minha alma sobe de joelhos nestes Paços!”(3)
Em um canto, com seu uniforme militar, Gastão de Orleans, o Conde d’Eu, sentia-se nos céus, tal o seu júbilo. E escreveu:
Le succès en est colossal pour la monarchie dans laquelle on reconnait l’agent principal de cette transformation... et la nature impressionable des faces de ce pays donne lieu à un enthusiasme sans bornes et touchant.(4)
Relendo as crônicas da época, lá encontramos Machado de Assis:
Houve sol, e grande sol, naquele domingo de 1888, em que o Senado votou a lei, que a regente sancionou e todos saímos à rua. Sim, também eu saí à rua, eu o mais encolhido dos caramujos, também eu entrei no préstito em carruagem aberta, se me fazem favor, hóspede de um gordo amigo ausente; todos respiravam felicidade, tudo era delírio.(5)
Naquele ambiente de alegria, André Rebouças era visto abraçado a Taunay, dizendo: “La joie fait peur”, e anotou no seu Diário: “Ovações indescritíveis no Rio e em Petrópolis das 6 ½ às 10 da noite.” (6)
Por sua vez, o Imperador se pronunciou da Europa. Era 15 de maio: “Abraço a Redentora. Seu pae Pedro”(7)
Este telegrama engrandecia mais a Princesa do que lhe reafirmava a realeza hereditária. O tempo poderia roubar-lhe a herança, até a própria pátria, como o fez com a inconcebível cláusula do impedimento a seu retorno e da família. Jamais, porém, a chancela de Redentora instituída na voz do Imperador e no coração dos brasileiros.
- Senhor Presidente, professor Jorge Lasmar,
- Integrantes dessa mesa de honra,
- Confrades do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais,
- Senhoras e Senhores,
Desculpem-me o personalismo desta afirmativa: sou privilegiado e abençoado.
Em diversas ocasiões, fui honrado com o convite para integrar como Sócio Efetivo este Sodalício, o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, fundado, em 1907, pelo inolvidável homem público Presidente do Estado, João Pinheiro da Silva.
Como consta em meu processo de admissão arquivado na Secretaria Geral desta Casa, a primeira vez se deu em 1985, por iniciativa do então presidente Dr. José Geraldo Faria; a segunda, em 1991, por iniciativa do Desembargador Antônio Pedro Braga e Dr. Alberto Barroca, sendo este o Presidente; a terceira em 1992, por iniciativa do Arcebispo Dom Oscar de Oliveira, sob a presidência do Dr. Celso Falabella e, por fim, por iniciativa da Dra. Maria Cândida Trindade da Costa de Seabra, Dr. José Anchieta da Silva e do Prof. Herbert Sardinha Pinto, sendo presidente o Engenheiro Fernando Antônio Xavier Brandão.
Palavras de gratidão a todos eles aqui registro pelo prêmio que depositam em minha História. Ao presidente Dr. Jorge Lasmar que me honra dirigindo esta sessão solene, as vênias deste seu acólito pela generosidade de suas palavras enaltecendo além da conta a minha pessoa. Por sua designação, recebi a maior comenda do Instituto Histórico e Geográfico pelas mãos do mestre de todos nós, o professor Raymundo Nonato Fernandes. Suas palavras, professor Raymundo, ricas de conteúdo e coloridas de franqueza e amizade, já se eternizaram em minha alma que, genuflexa, olha sempre para o alto, procurando-o como exemplo.
Ao Dr. José Anchieta da Silva, expoente da advocacia brasileira, homem da cátedra, membro efetivo desta Casa de João Pinheiro, integrante da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais e da Academia Marianense de Letras, presidente do Instituto dos Advogados de Minas (são tantos os títulos!), os agradecimentos do ora empossado. Anchieta trouxe para sua fala o coração generoso da colega professora Maria Cândida Trindade da Costa e Seabra, esta jovem e já consagrada professora universitária cuja presença neste Instituto é a certeza de sua perenidade. Quanto ao seu discurso, Dr. Anchieta, foi antes de tudo o amigo, verdadeiro irmão. Todavia, como grande causídico soube vestir a toga que, segundo o próprio, não possui, toga com a qual construiu uma sentença que passará para a História.
Digo-o não por minha pessoa exclusivamente, embora suas palavras me caem como um bálsamo para mim e para todos que viveram comigo as tempestades dos últimos dois anos. Algo, isto sim, ficará para a História, para as gerações futuras, ou seja, testemunhando os tropeços da Justiça, melhor dizendo de alguns de seus agentes. Meus agradecimentos ao Dr. Anchieta não se cingem ao episódio desta minha posse. Ultrapassam-na. Este Anchieta é um dos grandes beneméritos da Cultura, pelo que já fez pela Cidade tricentenária de Santa Bárbara e pelo que faz pela Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana. Minas lhe deve muito, inclusive quando, em advocacia pro bono, defendeu o ameaçado patrimônio da Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG).
Na esteira ainda de tantos e devidos agradecimentos, mesmo correndo os riscos da infelicidade de involuntárias falhas, peço licença para algumas vênias.
Permitam-me uma palavra de agradecimento ao Secretário de Estado da Cultura, jornalista Washington Tadeu de Mello, ao Presidente da Associação dos Magistrados de Minas Gerais, Juiz Bruno Terra Dias, aos Senhores Desembargadores do Tribunal de Justiça, aos escritores e aos representantes da Imprensa, ao prefeito do Serro, Guilherme Simões, a Câmara Municipal de Mariana na pessoa do Vereador Marcelo Macêdo, e a Sua Excelência Reverendíssima Dom Francisco Barroso, Bispo Emérito de Oliveira, meu professor de Filosofia. Além desses registros, não posso esquecer os confrades do Instituo Histórico e Geográfico de Minas Gerais, os amigos pessoais e meus familiares presentes e as Instituições aqui representadas: o Instituto dos Advogados de Minas Gerais, a Subseção da Ordem dos Advogados de Minas Gerais, o Consulado da Argentina, a Associação Universitária Internacional, a Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana, a Academia Mineira de Medicina, a Academia Mineira de Letras, Academia Valenciana de Letras, o Instituto Cultural Visconde do Rio Preto, a Academia Feminina de Letras, a Academia Municipalista de Letras, a Academia Marianense de Letras, a Arcádia Mineira, o Movimento Renovador de Mariana, a Associação dos Ex-alunos dos Seminários de Mariana e a Associação dos Amigos do Serro.
Tendo em mãos o protocolo desta solenidade, deparo-me com agradáveis surpresas. A presença do Coral Tom Maior, regido pelo maestro Adeuzi Batista, integrante da Orquestra e Coro Mestre Vicente, grandiosa instituição cultural fundada e presidida pelo dedicado advogado Efraim Rocha, é o rosto e a voz da Mariana encantada e decantada por estes jovens.
A apresentação artística da menina-atriz Ingrid Lara, lendo o artigo do celebrado escritor Danilo Gomes abordando momentos de nossas vidas, não só mostra sua performance perfeita, mas me enseja lembrar pessoas tão queridas e rejuvenescer em mim o amor e o compromisso para com minha terra natal e com nossa Minas Gerais.
A tribuna ocupada pelo acadêmico de Direito, Cristiano Villas Boas, a mim significa ver a juventude marianense dos tempos da Terceira Força Política naqueles anos 60 e da juventude de hoje sedenta de melhores dias para nosso povo e querendo mais justiça e ética neste Brasil. A caravana que veio de Mariana me transporta à querida primaz de Minas, fazendo-me sentir que esta solenidade de posse lá acontece.

Senhoras e Senhores,
O que acontecera nesses anos todos sem que se efetivasse minha posse? Senti-me muito orgulhoso dos convites. Jamais me declinei deles. Sempre os quis realizados. No entanto, atribuições e atribulações muitas, viagens constantes e estadas fora do país, tudo somado a períodos de vida pública e a alguns trabalhos voluntários ainda praticados, esta gama de situações adiou minha entrada efetiva nesta respeitável e eloquente tribuna da Cultura Mineira.
Sei avaliar o quanto vinha perdendo, embora, vezes por outras, me fazia presente aos eventos aqui realizados. A cada dia, sentia-me mais em casa a tal ponto de ser distinguido com a Medalha Israel Pinheiro da Silva pelo Instituto, em 2007.
Por ocasião das solenidades comemorativas do Dia do Estado de Minas Gerais, em 16 de julho de 2009, recebi, como prefeito de Mariana, a Delegação do Instituto comandada pelo presidente Dr. Fernando Brandão e à palavra deste respondi que era chegada a hora de participar efetivamente da Instituição.
Em maio deste ano, quando a Associação Universitária Internacional-AUI promoveu um jantar de solidariedade à minha pessoa, no Automóvel Clube de Belo Horizonte, vários representantes de instituições civis e culturais e membros do Instituto Histórico estavam presentes. O nosso mestre Prof. Raymundo Nonato Fernandes fez um belo pronunciamento, antecipado da fala do então presidente Dr. Fernando Brandão em brilhante oração de desagravo, ambos comoventes para mim. De público, reafirmei o meu compromisso de tomar esta posse. Jamais me esquecerei daquele 3 de maio, quando as senhoras e os senhores, carinhosamente, me estenderam as mãos solidárias e me entregaram o coração da fraternidade.
Correndo o ano de 2010, três valorosos membros da Casa de João Pinheiro, Maria Cândida, José Anchieta e Herbert Sardinha, tomaram a empreitada de formalizar meu batismo nesta Catedral que sempre defendeu e defende o Patrimônio Cultural de Minas e do Brasil. Aqui, está erigido o púlpito, que preserva e reverencia as raízes de Minas, que luta pela unidade geográfica de nosso Estado. Esta Casa pensa Minas e pensa o Brasil pela História, Geografia, Geologia, Arqueologia, Antropologia, Sociologia, Paleontologia, Heráldica, Genealogia, Medalhística, Indigenismo e Estatística.
Logo, quem não se honraria de a ela pertencer? A honra é bem vinda, mas, há de se traduzir no cumprimento dos nobres objetivos consagrados em seus Estatutos. Pretendo, pois, ser um soldado em suas fileiras, batendo continências a esses maiores, que vejo sempre perfilados em defesa da liberdade, da democracia, do Estado de Direito. São patriotas que, com sua inteligência e destemida vontade, se põem a serviço da nação.
Aqui, as idéias são livres e o amor ao Brasil é a tônica comum. João Pinheiro não se enganou quando criou o Instituto Histórico e Geográfico. Seu ato foi a profecia de que Minas teria, nesta Casa, realizada sua vocação primeira, a Liberdade, plantada no Estado que não teve infância e que seria o ponto de equilíbrio do Brasil.
Venho, como todos sabem, de Mariana, a primeira vila, cidade e capital de Minas, que sempre teve presença neste Instituto quer por nomes de Patronos quer como titulares de cadeiras. São figuras exponenciais nascidas marianenses ou lá passaram suas vidas. Tornaram-se inesquecíveis por suas virtudes e obras como Alphonsus de Guimaraens, Cônego Raimundo Trindade, Dom Silvério Gomes Pimenta, Diogo de Vasconcelos, Cláudio Manoel da Costa, Marquês de Queluz, José Joaquim da Rocha, Barão de Camargos, Frei José de Santa Rita Durão, Felisberto Caldeira Brant, Manoel da Costa Athayde, Salomão de Vasconcelos, Dom Oscar de Oliveira, Jésus Trindade Barreto. Além desta relação de pessoas, há outras interações da primaz de Minas com o Instituto, sendo oportuno realçar algumas.
Por iniciativa desta Casa, Mariana foi declarada Monumento Nacional. Por gestões junto ao Governo Estadual, o Instituto conseguiu a desapropriação do imóvel onde nasceram o Conselheiro José Joaquim da Rocha, Diogo de Vasconcelos e Salomão de Vasconcelos. A propósito, firmou-se um convênio com o objetivo de se construir o Memorial Diogo de Vasconcelos, entre o Estado, o Instituto Histórico e Geográfico, ainda sob a presidência do Dr. Marco Aurélio Baggio, o Município, a empresa SAMARCO e a Casa de Cultura-Academia Marianense de Letras sob cuja guarda está o imóvel. É necessário agirmos no sentido de tornar este projeto uma realidade.
Dois outros fatos que reputo de alta significação, merecem também ser lembrados.
Em 1977, recorri ao Instituto, então sob a presidência de José Geraldo de Faria, para pedir apoio ao projeto que apresentei à Academia Marianense de Letras, instituindo o 16 de julho como Dia do Estado de Minas Gerais. Expus-lhe as justificativas embasadas no rosário de primazias de Mariana que, aliás, o prof. José Geraldo conhecia com propriedade. Encampou logo a pretensão que veio a se concretizar na Lei estadual nº 7.561/79, sancionada pelo Governador Francelino Pereira. Tempos depois, uma idéia infeliz de certo parlamentar, preocupado em que se tornasse permanente o feriado estadual acontecido em 1996, quando da celebração do tricentenário de Mariana, propôs à Assembléia Legislativa a extinção da efeméride, hoje já declarada Data Constitucional de Minas pelo Art. 256 da Constituição de 1989. Uma das primeiras vozes contra o desatento, desavisado e desconhecedor da História, aquele parlamentar, foi do Instituto Histórico e Geográfico, reunindo seus membros e produzindo um abalizado documento, em 17 de março de 1997, assinado pelo então presidente Herbert Sardinha Pinto.
Formou-se uma comissão sob sua presidência e um périplo de visitação às lideranças legislativas, inclusive ao gabinete do 60 mencionado autor da infeliz idéia, redundou na mantença justa da efeméride em 16 de julho, com a transferência simbólica da Capital do Estado para Mariana.
Cumpria, assim, o Instituto sua nobre missão de defender as raízes da mineiridade. A data de batismo de Minas não poderia ser apagada do livro dos tempos porque é algo não da superfície que desaparece como as águas rio a baixo, mas representa o que se sedimenta no leito, no chão dos rios onde se fixa o ouro, a preciosidade da História.
Senhoras e Senhores,
Voltemos ao tema inicial, razão de nossa posse na Cadeira nº 66, na qual me precederam a professora Albair de Carvalho Faria e o advogado Luiz de Paula Ferreira.
Dom Pedro II era um apaixonado pela Cultura e pela Educação e, num país engatiando para se consolidar, desejava ardentemente diminuir a alta taxa de analfabetismo de mais de 90%, sendo que, entre as mulheres, chegava a quase 100%. O mesmo pensavam sua filha, a Princesa Isabel, e o genro, o Conde d’Eu. Há inclusive uma passagem que nos dá conta do encontro de ambos em Paris com Dom Bosco propondo-lhe enviar Salesianos para criar colônias agrícolas e educacionais no Brasil.
Entendia também Dom Antônio Ferreira Viçoso, 7º Bispo de Mariana, de estreitas relações com o Imperador, que, somente educando as mulheres, formando as futuras mães e educadoras, qualificaria a sociedade mineira e despertaria as consciências contra a escravidão.
Após promover a reforma do Clero do Século XIX e dar mais qualidade aos Seminários de Mariana, com seus cursos de Filosofia e Teologia, assumiu o compromisso e o realizou, criando o primeiro colégio feminino de Minas Gerais, trazendo de Paris doze irmãs vicentinas professoras para o Providência de Mariana.
Dom Pedro foi um propulsor da agricultura. Incentivava, por todos os meios da época, as práticas rurais. Era um apoiador incondicional da Ciência. Por sua vez, Dom Viçoso abençoava a famosa Folhinha de Mariana que divulgava a metereologia com seu Regulamento do Tempo e as regras de plantio e o que plantar, além de pregar contra as queimadas. Já era um ecologista.
Esses fragmentos históricos aqui se relembram porque estão no contexto direto ou indireto da vida da Princesa Isabel, o que nos faz recordar a pessoa de Francisco de Paula Cândido. Foi cientista, lente da Escola de Medicina, médico e professor das Princesas Imperiais Isabel e Leopoldina. Integrou o quadro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Após cursar o Seminário de Mariana, formando-se em filosofia e latinidades, realizou sua trajetória acadêmica em Paris. Defendeu teses e publicou diversos livros de medicina e física. Por essa época, se tornou presente na vida da Corte. Era irmão de meu bisavô, o juiz de direito e Deputado Geral por Minas, Antônio Gomes Cândido.
A Condessa de Barral, aia das Princesas, em uma carta, de 08 de abril de 1862 datada de Petrópolis, se refere a Paula Cândido como mestre das filhas do Imperador.
Senhoras e Senhores,
Tão logo, recebi o comunicado de minha eleição para ocupar a Cadeira 66 cuja Patrona é a Princesa Isabel, passei a estudar-lhe a vida. Levantei a bibliografia em torno dela, sobretudo onde houvesse pontos de interseção que unissem o Brasil, Minas e Mariana à linha do tempo a lhe alcançar a existência.
Para tanto, seria importante passar pelo descobrimento da Vila do Ribeirão do Carmo em 1696, pelo Governo de Dom João V que, em 1745, elevou-a à categoria de cidade com o nome de Mariana em homenagem à sua esposa Rainha, para nela instalar, após aprovação do Papa Bento XIV, no mesmo ano, a primeira sede episcopal do interior do Brasil. Depois, foi a vez de Dom José I que cumpriu a promessa do pai, mandando instalar na Catedral de Mariana, o Órgão Arp Schnitger. Todos antepassados da Princesa Isabel e de sua sequência familiar.
Daí para frente, vamos desembocar na Inconfidência Mineira com os seus dramas, condenando os que dela fizeram parte. Por esta longa viagem, chega-se a 1808 com a transferência da Família Real para o Brasil e a 1822 com a Independência política. Foram episódios de que temos conhecimentos, enriquecidos, na atualidade, com esses dois saborosos livros de Laurentino Gomes: 1808 e 1822.
No primeiro, ele escreve:
Nunca algo semelhante tinha acontecido na história de Portugal ou de qualquer outro país europeu. Em tempos de guerra, reis e rainhas haviam sido destronados ou obrigados a se refugiar em territórios alheios, mas nenhum deles tinha ido tão longe a ponto de cruzar um oceano para viver e reinar do outro lado do mundo [...]”(8)
O reinado de D. João VI em terras brasileiras trouxe benefícios extraordinários, mas, sofre de um esquecimento inaceitável, sendo mais condenável ainda o modo caricato como veio a ser tratado no filme “Carlota Joaquina”, da cineasta Carla Camurati.
Ainda não aclamado Rei, o Príncipe Regente tinha grandiosos planos para o Brasil, um país carente de quase tudo, estradas, escolas, bancos, imprensa, hospitais, Justiça. Além da abertura dos portos, é inegável o salto positivo empreendido naquele momento. Mas chegava 1821. A Corte voltaria para Lisboa. Dois dias antes, em 24 de abril, os restos mortais da rainha D. Maria I sepultada em 1816 no Convento da Ajuda, e do príncipe D. Pedro Carlos, este, em 1812, vítima de tuberculose, sepultado no Convento de Santo Antônio, foram levados em procissão para a fragata rumo a Portugal.
Dom João a tudo acompanhou pelas ruas do Rio de Janeiro. Era o derradeiro ato da Corte que deixaria um outro país, agora completamente transformado, no qual batia forte o desejo da Independência. Ele próprio, já Rei Dom João VI, não via mais como manter o status quo e, antes da partida, convocou, a seu lado, o filho Dom Pedro I, então com apenas 22 anos, e lhe recomendou: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, que para algum desses aventureiros.”(9)
Em seu 1822, Laurentino Gomes, depois de demonstrar no livro anterior a revolução pela qual o Brasil fora alvo a partir de Dom João VI, registra que este, ao retornar, havia raspado os cofres nacionais. Sob este aspecto, deixava um país falido. “E, no entanto, deu certo”, afirma Laurentino, que continua:
Quem observasse o Brasil em 1822, teria razões de sobra para duvidar de sua viabilidade como nação independente e soberana [...] Deu certo por uma notável combinação de sorte, improvisação, acasos e também sabedoria das lideranças responsáveis pela condução dos destinos do novo país, naquele momento de grandes sonhos e muitos perigos.(10)
Assim aconteceu o Primeiro Império, nascido, de fato, em 9 de janeiro de 1822 com o “Dia do Fico”, atitude heróica de Dom Pedro I para a qual contribuiu diretamente o marianense Conselheiro José Joaquim da Rocha, tido como autor da famosa frase pronunciada pelo Príncipe que veio a oficializar a Independência, naquela tarde de 7 de setembro, ato retratado metaforicamente no quadro de Pedro Américo.
Dois casamentos oficiais marcam-lhe a rápida história de vida porque faleceu ainda jovem no Palácio de Queluz em 1834, com apenas 36 anos. Sua primeira esposa foi D. Maria Leopoldina Josefa Carolina de Habsburgo. Casada por procuração com D. Pedro, chegou ao Brasil em 5 de novembro de 1817. Deu-lhe sete filhos, sendo o último em 1825, Pedro de Alcântara, o Imperador Pedro II do Brasil. A vida de sofrimento da Imperatriz Leopoldina fê-la despedir-se para a Eternidade aos 29 anos, em 11 de dezembro de 1826.
Em 1829, D. Pedro I contrai núpcias com D. Amélia de Leuchtenberg e, em 1831, abdica do trono brasileiro. Deixa os quatro filhos aqui, indo para Portugal com a esposa. D. Pedro II tinha 5 anos e José Bonifácio foi escolhido pelo Imperador para ser seu tutor. Com esta tenra idade, é aclamado Imperador, mas sua maioridade só foi declarada em 1840, ao completar 14 anos.
Sua sagração e coroação se deram no ano seguinte. Seu casamento com D.Tereza Cristina aconteceu em Nápoles em 1843, por procuração. Com a Imperatriz teve quatro filhos, entre os quais a Princesa Isabel, esta nascida em 29 de julho de 1846. A pompa e a cerimônia que cercaram o batismo de Isabel deixaram claro que ela era diferente dos outros.
Imagine-se a marca do destino ou da coincidência: era o dia 15 de novembro de 1846 quando a levaram à Capela Imperial para receber a água do batismo, um 15 de novembro, que, mais tarde, lhe causaria tanta dor.
O oficiante foi a principal Autoridade Eclesiástica, o Bispo do Rio de Janeiro, e os padrinhos, por procuração, a Rainha de Nápoles, Maria Isabel, e o cunhado de D. Pedro II, o rei de Portugal, Fernando.
Assim começou sua vida em público seguida de alguns folguedos infantis com a irmã Leopoldina já que os irmãos Afonso, nascido em 1845, e Pedro Afonso, nascido em 1848, morreram em plena infância. Em 1856, foi nomeada pelo Imperador aia de Isabel e Leopoldina a Condessa de Barral, Luisa Margarida Portugal e Barros, baiana, de família bem aquinhoada, culta e que convivia nas rodas sociais mais altas de Paris. A Condessa de Barral foi responsável pela formação intelectual e social das duas filhas do Imperador até o casamento de Isabel com Gastão de Orléans, o Conde d’Eu, em 1864.

Dada sua importância para as Princesas, sua mobilidade pelas Cortes Européias e do Brasil, além de sua proximidade, em diversos aspectos, com Dom Pedro II, há de merecer um capítulo à parte a que este momento não se presta.
Em sua “Introdução” do livro Princesa Isabel do Brasil – Gênero e Poder no Século XIX, o autor inglês Roderick J. Barman afirma:
Finalmente, as mulheres se tornaram visíveis na história. O passado já não é monopólio dos homens, com as mulheres desprezadas ou, na melhor das hipóteses, marginalizadas. A luta para lhes dar presença e voz foi lenta, laboriosa e ferozmente contestada. Ainda há muito a fazer [...] (11)
Razão tinha Roderick Barman. As conquistas têm sido a passos lentos, mas, há marcas a serem destacadas. Durante o Século XIX, nove mulheres comandaram politicamente suas nações, entre as quais uma brasileira. Por três vezes, Isabel Cristina Leopoldina de Bragança assumiu o trono do Brasil como Regente, em 1871 a 1872, 1877 a 1878 e 1887 a 1888 quando sancionou a Lei Áurea, extinguindo em definitivo a escravidão no território nacional.
Tudo se precipitou quando Isabel tomou para si fazer a própria política, praticamente rompendo com o chamado “governo responsável”, no qual o chefe de polícia (hoje um secretário de segurança), segundo a oposição perseguia os negros foragidos. Sua atitude materializava um rompimento com aquilo que seria o esteio da propriedade servil e, porque não dizer, com as tradições da própria monarquia. Esta decisão tornara-se um imperativo moral e cristão já que era profundamente religiosa e por ser algo que, desde criança, lhe era doutrinado.
Entendia seu dever libertar aquele milhão de cativos que, nas fazendas e ainda nas vilas e cidades, envelhecidos esperavam pelo sopro da liberdade. Por sua vez, com obstinação piedosa ao extremo, já não fazia ouvidos ao alarme dos Conselheiros com suas vozes sombrias do bom senso, segundo o que a precipitação da Regente levaria na correnteza o Trono. O próprio Paço se franqueava à causa abolicionista. Ela mesma se aliara ao movimento popular.
Em A Princesa Isabel – a Redentora, num misto de historiador e literato emocionado, Pedro Calmon mostra o Brasil do Século XIX a partir da década de 1840 e nele insere, com proeminência, a vida, a obra, os dramas e as decisões desta brasileira que ainda precisa ser mais conhecida pelas gerações atuais e futuras como exemplo de amor à pátria. Seu livro se revela de particular importância por ter sido publicado poucos anos após o falecimento da Princesa Isabel em novembro de 1921.
De certa forma, o autor viveu um pouco paralelo à vida da Princesa Isabel. Seu livro é também testemunho, mas confessa que “a figura da Princesa Isabel carece de nitidez no recorte dos acontecimentos, dissimula-se numa penumbra simpática, de modéstia, e apenas sobressai, clara e viva, na tormentosa fase da Abolição.”(12)
Foi, realmente, uma longa existência, de 1846 a 1921, vinculada, desde o berço, à sorte da Pátria que sempre amou. Guardou como um grande tesouro, não por seu valor material, mas por seu significado, a “Rosa de Ouro” que, em 28 de setembro de 1888, o internúncio Spolverini lhe passou às mãos em nome de Sua Santidade, o Papa Leão XIII, com o breve pontifício. Em seu discurso, afirmou Spolverini:
Quisera Sua Santidade testemunhar a satisfação toda especial que sentiu, como chefe supremo da Igreja e protetor da liberdade do homem, ao ver sancionada por Vossa Alteza Imperial a lei que aboliu completamente a escravidão no Brasil. Depois de todas as felicitações que V. A. Imperial recebeu de um e outro hemisfério, este esplêndido testemunho da parte de Leão XIII é uma consagração digna da grande obra, à qual se acha ligado para sempre o vosso nome.(13)
Chegamos ao 15 de novembro de 1889. “Não se julgava, nas Laranjeiras, a revolução tão próxima. O Imperador ignorava o que mesmo o ministério sabia mal, ou por indícios desconexos: o motim para aqueles dias quentes de Novembro”(14), registra Pedro Calmon. A princesa Isabel deixou um longo texto reproduzindo os acontecimentos daquele 15 de novembro, ela já no exílio:
Quando os primeiros dias de angústia estão passados, e meu espírito e coração acabrunhados pela dor podem exprimir-se a não ser por lágrimas, deixai-me filhinhos que lhes conte como se deu a maior infelicidade de nossa vida.(15) 
Muito mais do que narração, sua extensa fala é um verdadeiro depoimento. Na verdade, é um testemunho aos filhos que, tão crianças ainda, não tinham como entender a situação naquele momento exato do terremoto político.
Destronada a Monarquia, o que dela ficaria além da abolição da escravidão que era repugnada também por Dom Pedro I?
Em seu livro Da Monarquia à República, Emília Viotti da Costa analisa, com propriedade, o ponto de vista dos monarquistas, chegando a conclusões com as quais, de um modo isento, podemos concordar. Se não, vejamos: “O regime monárquico dera ao país setenta anos de paz, interna e externa garantindo a unidade nacional, o progresso, a liberdade e o prestígio internacional.” (16)
A mesma autora põe em relevo as afirmativas do Visconde de Ouro Preto contestando os republicanos:
O Império não foi uma ruína, foi a conservação e o progresso. Durante meio século manteve-se íntegro, tranqüilo e unido o território colonial. Uma nação atrasada e pouco populosa converteu-se em grande e forte nacionalidade, primeira potência sul-americana, considerada e respeitada em todo o mundo. Aos esforços do Império, três povos vizinhos deviam o desaparecimento do despotismo mais cruel e aviltante. O Império foi generoso com seus adversários. Proscreveu e aboliu de fato a pena de morte, extinguiu a escravidão, deu ao Brasil glórias imorredouras, paz interna, ordem, segurança, liberdade individual como jamais houve em país algum.(17)
Senhoras e Senhores,
Não adentrarei à complexidade do tema de um modo mais amplo e analítico para expor as justificativas dos republicanos, porque o tempo e as circunstâncias não o permitem. Mas, não poderia deixar, no silêncio, a importância da transferência da Corte para o Brasil em 1808, o Império com Dom Pedro I, Dom Pedro II e as três Regências com a Princesa Isabel. Foram oitenta anos que deram um rosto a um país que não era mais que uma colônia para exploração.
Por fim, não importa aqui o confrontar monarquistas e republicanos para a resultante sobre quem deteria maior valor ou verdade. É matéria para outros estudos, não obstante a conveniência de nos referirmos a Max Leclerc, o viajante francês que deixou suas impressões no livro Cartas do Brasil, abordando o episódio da Proclamação da República. Isento em sendo estrangeiro, afirmou:

A revolução está terminada e ninguém parece discutí-la, mas aconteceu que os que fizeram a revolução não tinham de modo algum a intenção de fazê-la e há atualmente na América um Presidente da República à força. Deodoro desejava apenas derrubar um ministério hostil.(18)
No entanto, não deixa Leclerc de apontar algumas fragilidades como “o fato de o poder estar concentrado nas mãos do Imperador que envelhecera perdendo o controle da situação.”(19) Não nos esqueçamos, todavia, da nossa figura central, Isabel Cristina. Em termos de gênero, viveu uma existência subordinada, explorada e limitada. Adaptou-se, porém, bem ao quadro. Apesar de sua posição privilegiada quanto aos recursos inerentes ao poder, seu gênero foi obstáculo a desenvolver o senso de agência nos negócios públicos. O paradoxo de sua vida foi o decisivo uso dessa agência, diríamos, a aplicação de sua vontade no exercício do poder. O ter promulgado a Lei Áurea, de 13 de maio, foi causa determinante de sua exclusão da vida pública e de seu banimento da terra natal. Em palavras à sua mais querida amiga, praticamente irmãs de alma desde a infância, Amandinha Dória, foi resoluta: “Se é por causa da abolição, não me arrependo; dou por bem dado perder o Trono.”(20)
Personificou um modelo de abnegação, exercendo sua função pública com o objetivo único de servir. O poder era-lhe a prática de um sagrado dever. Em momento algum, contestou ao pai o direito deste de conduzir os assuntos do Estado. Foi um eloquente exemplo para os nossos dias quando testemunhamos, com tristeza, a volúpia desenfreada de certos políticos para a conquista do poder a qualquer custo na busca de interesses indefensáveis. São verdadeiros abutres que não se envergonham do enriquecimento ilícito, travestidos de líderes defensores do povo. Mostram embasar-se na legitimidade para alcançar o poder, mas escondem seus reais propósitos até mesmo quando dividem o mando.
Diz Roderik J. Barman:
Nem a derrubada da monarquia, nem a morte do pai dois anos depois, nem a guerra civil que grassou no Brasil de fevereiro de 1893 a agosto de 1894 a tentaram a assumir um papel público.(21)
Nas décadas derradeiras de sua existência, lamentava profundamente não poder voltar à sua pátria. Qualquer referência ao Brasil era bastante para lacrimar aqueles “belos olhos azuis, tão claros e sorridentes”(22) conforme registrou sua neta Isabelle em 1978. Em 3 de maio de 1920, o presidente Epitácio Pessoa propôs ao Congresso a extinção da lei de banimento da Família Real e a condigna repatriação dos restos mortais de Dom Pedro II e da Imperatriz Thereza Cristina.
Com a saúde muito fragilizada, a Princesa não pode acompanhar os esquifes ao Rio de Janeiro. Vieram o Conde d’Eu e Dom Pedro de Orleans e Bragança. Críticas malévolas impediram Ruy Barbosa pronunciar, na solenidade, seu discurso de homenagem que assim terminava: “os que fizeram a República federativa não têm reivindicações contra as cinzas do Velho Imperador, cujas virtudes eram muito maiores do que seus defeitos.”(23)
O solenismo do desembarque, a emoção pública e o fervor cívico naquele acolhimento às urnas fúnebres foram a demonstração palpitante de que o brasileiro os amava e respeitava.
A Princesa Isabel deve ter tido seus momentos de alegria. Tê-los-a tido também de grandes sofrimentos, a começar por não concordar com a escravidão enquanto as elites, por seus representantes políticos, impediam sua extinção. Sofreu o banimento da pátria, a morte da mãe, do pai, dos irmãos ainda crianças, da irmã Leopoldina aos 22 anos e, por fim, dos próprios filhos. Restou-lhe um final de vida angustiante que ela compensava na forte espiritualidade, na fé inabalável.
Em suas últimas horas, chamou o cura da cidade e balbuciou-lhe estas palavras: “Eu nunca me senti tão fraca. Prepare-me para morrer. Eu gostaria de ficar algum tempo ainda entre os meus; mas não peço nada. O bom Deus sabe melhor do que nós o que nos é preciso.” (24)
Seus olhos se fecharam suavemente aos 74 anos.
Em sua oração fúnebre, o Arcebispo de Rouen, Mgr. Villerabel, na Catedral de Notre Dame d’Eu, afirmou: “Elle souhaitait ardemment de revoir sa patrie et de revivre pendant quelques semaines de doux et lointaines souvenirs”.(25)
Nunca mais! Sua missão findara.
Senhoras e Senhores,
20 de novembro é, desde 1978, declarado Dia Nacional da Consciência Negra, porque, nesse mesmo dia, em 1695, foi assassinado Zumbi, líder máximo do Quilombo de Palmares e símbolo da resistência negra. O Brasil é um país multifacial e deve entender isto como uma bênção, uma verdadeira graça. No entanto, não pode se estribar nisto para construir degraus de injustiça porque o ser humano tem o seu valor expresso na sua natureza e, não, na cor de sua pele.
Como prefeito de Mariana, sancionei a Lei que criou o Conselho Municipal da Promoção da Igualdade Racial e participei da II Conferência Estadual da Igualdade Racial, quando assinei o termo de adesão da cidade de Mariana ao Plano Nacional de Políticas Públicas para a Igualdade Racial. Fí-lo convicto de que uma sociedade mais justa há de ter como corolário o respeito à dignidade humana.
A História é uma ciência que existe para tudo registrar como num caleidoscópio e deverá fazê-lo como mestra da vida. Datas semelhantes à de hoje devem ser celebradas e reverenciadas criando-se a oportunidade de uma profunda reflexão sobre o ser humano e sua missão na construção de um mundo melhor sobretudo mais justo. Assim, trazer ao presente Zumbi e a a Princesa Isabel é manter viva a chama da Justiça sem a qual estaríamos decretando a falência do gênero humano.
As pessoas que visitam em Dreux a cripta dos Orléans, veem lá esculpido o escudo do Brasil Imperial. É um monumento muito simples, de aspecto severo. De um lado, duas figuras angélicas em atitude de coroação de uma santa e, em relevo, as armas de Dom Pedro II e de Luiz Felipe. São marcas de um exílio. Os que por ali passam, inclinam-se certamente não para render homenagem a restos mortais, hoje na Catedral de Petrópolis, mas a uma lembrança imorredoura de uma mulher, maior do que Rainha, a REDENTORA.
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Notas:

(1) Organizações e programas ministeriais: regime parlamentar no império. 2.ed. Rio de Janeiro:
RJ, 1962, p. 240.
(2) BARMAN, Roderick J. Memorando de dezembro de 1988, transcrito em Princesa Isabel do no Brasil. p. 249. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

(3) Affonso Celso. O Imperador no Exílio. p. 142, p.143
(4) RANGEL, Alberto. Gastão de Orleans - Carta a Nemours. 16 de maio de 88. p. 369, citado em A Princesa Isabel – A Redentora, p. 210.
(5) A Semana, p. 84, citado em A Princesa Isabel – A Redentora, p. 211.
(6) Rebouças, André. Diário, p. 313.
(7) Arq. Do Castelo d’Eu. Doc. nº 8971.
(8)GOMES, Laurentino. 1808. Ed. Planeta do Brasil, 2007, contra-capa.

(9) LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil, p. 686.
(10) GOMES, Laurentino. 1822. São Paulo: Nova Fronteira, 2010, contra-capa.
(11) BARMAN, Roderick J. Princesa Isabel do Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2005, p. 11.
(12) CALMON, Pedro. A Princesa Isabel – A Redentora. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p. IX e X, da introdução “Este Livro”.

(13) CALMON, Pedro. A Princesa Isabel – A Redentora. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p.221
(14) CALMON, Pedro. A Princesa Isabel – A Redentora. Companhia Editora Nacional, 1941, p.249
(15)  Memória para meus filhos. Arq. Hist. do Museu Imperial, Petrópolis. Cat. A. Maço 207, Doc. 9413.

(16) COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República. São Paulo: UNESP, 2007, p. 395
(17) COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República. São Paulo: UNESP, 2007, p. 395, Brasil, p. 330.

(18) LECLERC, Max. Cartas do Brasil. São Paulo: Companhia. Editora Nacional, 1942, citado em Da Monarquia à República, p. 397.
(19) LECLERC, Max. Cartas do Brasil. São Paulo: Companhia. Editora Nacional, 1942, citado em Da Monarquia à República, p. 397.
(20) Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro – Armário 32, Pacote 96, citado em Princesa Isabel do Brasil.

(21) BARMAN, Roderick J. Princesa Isabel do Brasil. São Paulo: UNESP, 2005, p. 330
(22) CALMON, Pedro. A Princesa Isabel – A Redentora. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p.346.
(23) BARMAN, Roderick J. Princesa Isabel do Brasil. São Paulo: UNESP, 2005, p. 310.

(24) CALMON, Pedro. A Princesa Isabel – A Redentora. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p.347.
(25) CALMON, Pedro. A Princesa Isabel – A Redentora. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, p.347.