segunda-feira

Texto do Prof. Raymundo Nonato Fernandes

Celebrávamos em Ouro Preto, no Museu da Inconfidência, em 19 de novembro, os 200 anos de morte de Tomás Antônio Gonzaga, uma solenidade promovida pela AMAGIS – Associação dos Magistrados de Minas Gerais – sob a presidência do Doutor Bruno Terra Dias – em homenagem a outro histórico magistrado, o Ouvidor de Vila Rica.
Assistíamos de pé, Dr. Roque Camêllo e eu, às eruditas falas sobre o renomado inconfidente, à época já promovido a Desembargador do Tribunal da Relação, na Bahia. Para lá partiria já casado com Maria Dorothéia de Seixas Brandão – a Marília de Dirceu – musa de seus versos e encantamento, na tecitura dos altos momentos de lirismo da Inconfidência Mineira. Aqui, vale outro registro: a presença de um Tribunal e nele já não se reconhecem os princípios e as dignidades que o instituíram ao subordinar-se aos poderes perversos e ilegítimos do Estado.
E um Tribunal condena um magistrado de méritos comprovados e de brilhante carreira e cultura humanística.
Isto acontece ao final dos Séculos das Luzes, o Iluminismo que Minas ousara implantar por primeiro nas Américas, e ainda depois que Montesquieu (1689-1755) com seu O Espírito das Leis, considerada a mais monumental obra das ciências políticas da época, sobre as relações entre as leis e a sociedade dos diversos povos e países da Europa. De suas pesquisas e em plena era dos déspotas esclarecidos ele proclama: “Em todo governo onde os três poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário – não forem autônomos, o povo é escravo de um tirano”. E, ainda, no século de Immnuel Kant, sua ética formal dos valores traz um imperativo categórico em sua tríplice formulação: “Age de tal maneira que a norma de tua ação possa tornar-se uma norma universal. Age de tal maneira a elevar a tua inteligência pela tua vontade, à condição de legisladora universal. Age de tal maneira a considerar a humanidade em tua pessoa como na de outrem sempre como fim, jamais como meio”.
O Ouvidor de Vila Rica, denunciado por Silvério dos Reis, é aprisionado e conduzido àquele Tribunal que nada disto entendia com ignorância culposa, por subordinar-se, de forma ilegítima, ao poder do Estado. Em vão tentou Tomás Gonzaga provar sua inocência. Condenado por aliar-se aos mais irrecusáveis princípios da dignidade humana, é deportado para Moçambique. A sentença produziu a lesão aos mais sagrados direitos do homem: a perda da liberdade, da dignidade de um celebrado amor e dos cargos a que o conduziram os méritos de sua carreira jurídica. Aquele Tribunal, nos tempos cristãos de D. Maria I, a Piedosa, postergou direitos humanos em conduta já denunciada há 441 anos AC no episódio na Antígona de Sófocles, ao bradar contra a ilegitimidade da lei promulgada pelo usurpador do Trono de Laios, o Rei de Tebas: “Todo aquele que se insurgir contra o Rei será morto e seu corpo insepulto”. Polinice, legítimo herdeiro do trono, é morto e à sua irmã cumpria dar-lhe sepultura. É Antígona que clama: “Como pode a lei do Rei postergar o jus erinicum, das erínias, deusas da vida da terra, e o jus olimpicum, leis das cidades dos deuses”, que determinavam ao parente sepultar seus mortos. Esta página da Antígona Sofocléia foi levada ao Teatro de Dionísio aos pés da Acrópole em Antenas, datada de 401 AC.
E o Tribunal de D. Maria I, a Piedosa, condena Tiradentes a ser esquartejado e seus restos insepultos espostejados pelos caminhos de Minas até que os dias os consumissem. Isto nos tempos cristãos. Produziu-se uma sentença condenatória a Tomaz Antônio Gonzaga com a lesão de seus diretos humanos fundamentais contra a clássica determinação do Direito em Ulpiano: alterum non laedere.
E o magistrado Tomás Antônio Gonzaga, nascido em Portugal, chegado ainda criança ao Brasil aos 7 anos de idade, agora, com a denúncia de Silvério dos Reis, em delação premiada, é aprisionado. Em vão, tentou provar sua inocência. O Tribunal não tinha compromisso com a Justiça, mas com suas ligações naquele bloco histórico dos déspotas, nem sempre muito esclarecidos e não raras vezes inocentes em cerebrotonia, mas dotados de perversa idiotia moral. Decorre da sentença, alterum non laedere, irreparável lesão de direito.
Talvez fora esta a visão de Augusto de Lima, no seu libreto da Ópera Tiradentes, quando, nos últimos versos, a fala do Herói declama:
Vive oprimido o povo do Cruzeiro
Que siquer ergue a cabeça para vê-lo
Podeis dar vossa sentença
Que a culpa sobre mim é imensa.
Demonstrai ao poder vossa lealdade
Condenado a justiça e a liberdade
Marília de Dirceu, o lindo poema publicado em Lisboa em 1792, consagrou Tomás Gonzaga como um dos principais poetas da língua portuguesa no Brasil, pontificando assim as primeiras manifestações da Arcádia Mineira.
Nas solenidades comemorativas do bicentenário da morte de Ouvidor de Vila Rica, no Museu da Inconfidência, Roque Camêllo e eu ouvíamos encantados quatro brilhantes falas sobre a Filosofia do Direito e os Tribunais da História.
O presidente da AMAGIS, após seu eloqüente pronunciamento, descerrou a bandeira de Minas a cobrir a placa em homenagem ao grande magistrado da Inconfidência Mineira, no bicentenário de sua morte no exílio em Moçambique.
A cada momento daqueles discursos, eu via a assemelhada coincidência de uma situação jurídica de Roque Camêllo, em nossos dias – uma analogia, mas “de proporcionalidade própria” segundo as leis da lógica. Senão, vejamos: “Gonzaga, o jurista poeta e magistrado”, com a denúncia de Silvério dos Reis, em delação premiada [...] condenado e em vão tentou provar sua inocência [...]
Será que estaremos a voltar a esses tempos perversos, com tantas chagas nas montanhas de Minas e no caráter de mineiros criminosos?
Quantos temores nos levam a torturadas apreensões. Destruídas nossas montanhas, desaparecem suas fontes de águas cristalinas e, sem elas, nossos rios estão a morrer de sede. Só no horizonte tão belo da Capital de Minas, seis fontes desaparecem no Taquaril. Quanto valem as águas puras daqueles arroios que desciam da serra e poderiam abastecer os bairros de Santa Efigênia e Funcionários, durante 100 ou 500 anos? A rede do Rio das Velhas já é água reciclada dos esgotos de S. Bartolomeu, Glaura, Itabirito.... desde 1964 – data da criação da COMAG, hoje COPASA – quando Lincoln Continentino, o maior engenheiro hidráulico de Minas, dizia: “Estamos bebendo já uma das águas mais caras do mundo.... e muitos de nossos rios já estão morrendo de sede”.
Minas Gerais, sua terra, suas serras, seu ouro, seus diamantes, seus filhos, seus tesouros, têm sido vítima de suas próprias riquezas, dos assaltos e do desrespeito dos piratas, corsários e bandidos dos novos processos neocolonialistas da modernidade. É de se trazer para o momento o triste episódio das “Cartas Falsas” plantadas na Imprensa Oficial de Minas Gerais, em outubro de 1921, com graves ofensas ao Marechal Hermes da Fonseca e a Nilo Peçanha colocando como seu autor o então Governador de Minas e candidato à Presidência da República, Arthur Bernardes. Passadas as eleições e vitorioso Bernardes, em razão do falso conteúdo daqueles textos seu governo teve hercúleas dificuldades com desastrosas consequências para a nação brasileira, travando a ação patriótica e desenvolvimentista de um honrado líder.
Estaríamos voltando àqueles tempos da delação premiada ou dos falsários Jacinto Guimarães e Oldemar Lacerda, autores das ditas “Cartas Falsas”?
Infelizmente, a história de injustiças muitas vezes de repete. Falamos de Tomás Antônio Gonzaga, de Tiradentes, de Artur Bernardes, de um território saqueado. Falemos, agora, de um cidadão da atualidade.
Roque Camêllo é advogado com numerosos cursos de graduação tais como Curso de “Direito Internacional e de Problemas de Desenvolvimento e Liderança” pela Associação Universitária Interamericana – Harvard – Cambridge, “Educação e Desenvolvimento” – Columbia University- New York, “Direito Comparado – Estados Unidos e o Brasil” – OAB – MG e Consulado dos EUA, “A Jurisprudência dos Tribunais e a Administração da Justiça”, - Instituto de Direito Processual Civil- UFMG.
Dr. Roque é professor, Diretor de Estabelecimento de Ensino pelo MEC, político, empresário, com inúmeras atividades cívicas e culturais, econômicas, sociais e acadêmicas. Registra mais de 100 conferências, um monumental curriculum vitae, enfim, um homem que seus amigos e até seus inimigos gostariam de ser como ele – e, como tal, considerados.
Filho de Mariana, a cidade campeã de tantos pioneirismos como o de ter sido a primeira capital de Minas e que, em sua homenagem, Roque, depois de ter proposto ao Governo Estadual a instituição do Dia do Estado de Minas Gerais, hoje Lei 7.561/79, propôs também sua inscrição na Constituição Mineira (Art. 256). Assim, a data de fundação de Mariana, 16 de julho, é celebrada como o Dia de Minas. Todos os anos, a capital do Estado é simbolicamente transferida para Mariana e lá comemorada com solenidade, pompa e circunstância esta efeméride.

Por tudo que fez, que faz e que é, o Doutor Roque José de Oliveira Camêllo, na sua terra, entre vultos históricos de grande notoriedade é hoje o maior homem vivo de Mariana.
Por isto, a interrupção de seu mandato de prefeito na sua adorada Mariana causou perplexidade a toda sociedade mineira. Numerosas foram as manifestações organizadas em sua solidariedade e apoio enquanto se aguardam as festas de seu retorno ao cumprimento do mandato interrompido, tantas eram as realizações esperadas de sua competência e brilho como grande benfeitor de sua querida terra. As duas últimas manifestações de apoio a Roque Camêllo se deram em maio e novembro deste ano. A primeira foi nos salões elegantes do Automóvel Clube de Belo Horizonte promovida pela Diretoria Regional da Associação Universitária Internacional – AUI/MG sob a direção do Meritíssimo Juiz Doutor José Adalberto Coelho, contando com a presença da Associação dos Ex-Alunos dos Seminários de Mariana, da Diretoria e Membros Efetivos do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, do Instituto dos Advogados, da Academia Marianense de Letras, da Academia Mineira de Medicina, de professores, empresários e amigos do Dr. Roque. Foi um banquete de muitas falas de inconformidade da consciência social de Minas com a inusitada situação jurídica de Roque, já vitoriosa no Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais. A Sociedade Mineira ali presente já respirava uma aura de tranqüilidade. Fez justiça o Tribunal de Minas.
A outra grande manifestação de caloroso apoio se deu em 20 de novembro no centenário Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, na soleníssima sessão de sua posse como sócio efetivo da venerável Instituição. Não se tem notícia de uma solenidade tão grandiosa na memória recente desse renomado Instituto. As crianças de sua terra vieram cantando. Formavam o Carol “Tom Maior” de Mariana sob a presidência do Dr. Efraim Rocha. Presentes numerosas autoridades civis e religiosas, Bispo,

Desembargadores, professores, escritores, advogados. Ouviram-se discursos de superior cultura jurídica e histórica. Foi um evento emocionante e emocionado para todos e inesquecível às crianças e inúmeros jovens estudantes da terra de Roque Camêllo que jamais esquecerão as emoções daquele dia.
O merecido orgulho dos filhos de Mariana, a primeira vila das Minas criada pelo grande estadista de nossos tempos coloniais, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, segue a fiel tradição de seu berço nobre. A vila de Nossa Senhora do Carmo de Albuquerque foi transformada em cidade para sede do 1º Bispado das Minas Gerais por D. João V, o grande Rei de Portugal que, em homenagem à nova urbe, lhe deu o nome de sua Rainha, Maria Ana de Áustria – e ela se chamou Mariana.
Em cerimônia de grande pompa, celebrada em homenagem ao Dr. Roque Camêllo, coube-me a honra e o privilégio de a ele conferir a Comenda João Pinheiro, grande estadista mineiro e presidente do Estado que, em 1907, fundou o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
Roque José de Oliveira Camêllo, que se compõe ao lado de celebrados e ilustres filhos da História de Mariana, honra essa tradição de um berço nobre que representa, engrandece e nos faz lembrar aqueles seres humanos a que se referia Garcia Lorca ao dizer: “vai demorar muito para nascer, se é que nasce, um homem como ele”.
Professor Raymundo Nonato Fernandes
Vice-presidente do IHGMG – Cadeira nº 7 – Patrono: Aurélio Pires