segunda-feira

Discurso do Dr. José Anchieta da Silva

Discurso de saudação a Roque José de Oliveira Camêllo, na sessão solene de sua admissão como membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais - IHGMG, ocorrida no dia 20 de novembro de 2010 em Belo Horizonte – MG
Minha saudação às autoridades e convidados presentes.
De início, faço um cumprimento especial à associada Professora Maria Cândida Trindade da Costa Seabra, que indicou à diretoria da Casa o meu nome para este pronunciamento. A ilustrada professora tem todos os predicados para fazer esta oração. Ela percebeu, no entanto, que eu tinha a necessidade de fazê-lo.
Caríssimo amigo e presidente deste Sodalício, Doutor Jorge Lasmar, sendo esta a Casa guardiã da História de Minas, terra de Tiradentes, de Joaquim Felipe dos Santos e de Roque Camêllo, peço licença - e mais do que isto, autorização - porque não pronunciarei discurso de entronização de novo sócio, o que seria de atribuição protocolar. Assumo a toga que não tenho para, em nome de Mariana, de Minas e em homenagem à Justiça consignar, inclusive para os registros próprios,
Uma sentença para Roque Camêllo:
Vistos, relatados os autos do processo em que o cidadão Roque José de Oliveira Camêllo é acusado de conspurcar as regras básicas da democracia, no trato público com as pessoas dedicadas ao magistério na cidade e Comarca de Mariana, Minas Gerais, tipificado o delito como o de captação ilícita de sufrágio, sentencio.
Trata-se, no caso, de cidadão nascido em Mariana – MG, filho de Torquato José Lopes Camêllo e Maria José de Oliveira Camêllo, o décimo de uma prole de doze. O acusado é maior de idade, casado com Merania Aparecida de Oliveira. É advogado, formado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (a Casa de Affonso Penna). Na mesma Universidade formou-se em Letras (Português/Francês – inclusive pela Aliança Francesa de Belo Horizonte e pela France Langue de Paris.). Tendo cursado o primário no Grupo Escolar Dom Benevides e o Curso Ginasial e de Humanidades no Seminário Menor da Arquidiocese de Mariana; o Científico-Colegial o fez no Colégio Alfredo Baeta em Ouro Preto.
Este cidadão é acusado de ter cometido delito contra a Democracia; de ter ludibriado profissionais da área de educação da cidade de Mariana em época de campanha eleitoral onde se habilitara como candidato a prefeito – eleição na qual veio sagrar-se vitorioso. Está em julgamento, portanto, o prefeito eleito da cidade de Mariana. A acusação se conduz dizendo de um compromisso público assumido pelo acusado de, se eleito, continuar realizando o melhor para a educação da gente marianense. Seu programa de governo estava determinado na erradicação de toda tiririca que comprometesse o melhor ensino público local. Aí está o delito. Eis o tipo.
Assim exposta a acusação, necessário, para bem apreender o elenco e o cenário, conhecer o currículo do acusado e conhecer, pelo menos nos seus contornos, que cidade é esta tal Mariana, palco do delito.
A preparação de Roque para habilitar-se àquela candidatura de prefeito foi longa. O subscritor desta sentença precisa trazer a texto, para que todos saibam que, desprovido de interesses pessoais, o acusado só aceitou a candidatura em face de apelo pessoal do então arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Mariana, Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida. Este, uma síntese dos Santos, que viveu dentre nós. Uma personificação ajustada de um Santo Tomás de Aquino, Doutor da Igreja e um João Maria Vianei, o Cura D’Ars.
A título de extensão universitária dentre outros estudos, Roque Camêllo estudou na mesma Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais: Direito Romano, pelo Instituto de Direito Civil; A Economia do Estado Intervencionista, pelo Instituto de Economia Política; Direito Internacional Público: A ONU e o Brasil; A Jurisprudência dos Tribunais e a Administração da Justiça; A Reforma da Legislação Civil Brasileira. Ainda a título de extensão fez o Curso de Direito Internacional e de Problemas do Desenvolvimento e Liderança, pela Associação Universitária Interamericana de Harvard-Cambridge – USA; Educação e Desenvolvimento pela Columbia University – USA; Industrialização na América Latina, pela Universidade de Buenos Ayres; Direito Comparado: Estados Unidos e Brasil, pelo Consulado dos EUA.
A sua formação de humanista ainda não estaria completa e, por isso, estudou a Obra de Guimarães Rosa; Literatura de Engajamento no Brasil; A Teoria Literária e os Clássicos Portugueses; Personalidade e Cultura, estudos realizados pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Belo Horizonte.
Estudou ainda: O Nacionalismo de Santa Rita Durão; O Barroco de Minas, esses pela Academia Marianense de Letras; Bárbara Heliodora e a Inconfidência Mineira, os primeiros pela Academia de Letras de Mariana e o último em parceria dessa com a Secretaria de Estado da Educação. A acreditada Academia Marianense de Letras é presidida por Roque Camêllo, o acusado.
Participou do Ciclo de Estudos sobre o Desenvolvimento e Segurança, pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra ADESG/MG e, ainda, Relações Diplomáticas e Econômicas Brasil/Itália, realizado pela mesma associação adesguiana e pela Embaixada da Itália no Brasil.
Parecia-lhe pouco e, portanto, foi estudar a História Geral da Arte: Da antiguidade Pagã ao Gótico, Instituto Moreira Salles, em Belo Horizonte; Turismo e Desenvolvimento em Ouro Preto; Educação Moral e Cívica pela Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais e Pontifícia Universidade Católica de Minas.
O processo, que conheço, examino e sentencio, na sua instrução é duplamente falho. Não foi razoavelmente completo como deveria ter sido, por parte do acusado, expondo de modo suficiente, o seu currículo cultural. São coisas de mineiro. Em Minas quando se é, se é. Afinal, Inconfidentes não portam carteirinha e candidatos a mártires não fazem pregação antecipada de seu calvário. Os acusadores, de outra banda, não cuidaram de sua qualificação mínima. Conhece-lhes o rastro, mas não se sabe se têm rosto.
Boa etapa da vida do acusado foi dedicada ao magistério, tendo participado, dentre outros, do Congresso de Ensino Comercial no Brasil (Porto Alegre, 1969). Fundou, em Belo Horizonte: o Colégio São Vicente de Paulo, em 1965, O Centro de Estudos Psico-Pedagógicos (1.977); O Centro Poliesportivo Sanitas (1978); Idealizou e coordenou o 1º Encontro para o Desenvolvimento de Mariana (1979); Coordenou o II Encontro Estadual dos Municípios Mineradores/Secretaria de Estado de Ciências e Tecnologia.
Em 1962, fundou o Diretório do Partido Democrata Cristão de Mariana. Foi o autor do ante-projeto instituindo a data de “16 de Julho” como o “Dia do Estado de Minas Gerais”, tendo organizado e editado o livro “16 de Julho: o Dia de Minas”
Dentre seus títulos e comendas se destacam: Membro permanente da Associação Universitária Internacional (AUI), sendo dela o diretor regional em Minas Gerais; Conselheiro e diretor- executivo da Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana; Conselheiro da Associação dos Amigos do Museu da Inconfidência de Ouro Preto; Fundador da Associação dos Amigos do Teatro Marília de Belo Horizonte; Membro da Academia Valenciana de Letras, no Estado do Rio de Janeiro; Conselheiro da Fundação Pandiá Calógeras em Minas Gerais (1976) Membro da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete; Membro Integrante da Comissão do Tricentenário de Santa Bárbara; Coordenador do Ano Cívico, Bárbara Heliodora (em 1969) e de Cláudio Manuel da Costa (1980); Integrante do Fórum Nacional Itabira – Centenário de Carlos Drummond de Andrade.
Recebeu a Comenda dos Bandeirantes (em 1974); a Comenda do Dia do Estado de Minas Gerais (em 1981); Medalha de Santos Dumont, em Minas Gerais (1985); Ordem do Mérito Legislativo, conferida pela Câmara Municipal de Belo Horizonte (em 1997); Medalha Justiça Século XXI, pela secção judiciária da Justiça Federal em Minas Gerais; Medalha Israel Pinheiro, conferida pelo nosso Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (em 2007); Ordem do Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais (em 2009); Medalha do Centenário da Academia Mineira de Letras (2009).
Sua produção científica é extensa, destacando-se: Educação: Único caminho de salvação do Brasil; Patrimônio Histórico: Por que preservar?; Antônio Aleixo Humanista e Mestre; As Constituições Brasileiras; Minas e as primeiras Escolas; Caraça – Um Centro de Cultura; A Educação como o maior investimento da Pátria; Brasil – Tempo de Educação; Ensino e Democracia; A Evolução Humana – Indivíduo, sociedade, educação; Porque devem existir as Academias de Letras; Justificativa do Projeto de Inscrição do Acervo do Museu da Música de Mariana no Programa Memória do Mundo da UNESCO; Raízes Históricas e Culturais de Minas e sua importância para o Brasil.
A família de Roque ainda há de colaborar com a nossa Minas Barroca mais uma vez.
Em 2011, dentre as povoações mais antigas de Minas, três celebrarão o tricentenário de elevação à condição de Vila, ou seja, Vila do Carmo, Vila Rica e Sabarabuçu, hoje Mariana, Ouro Preto e Sabará, na ordem cronológica de assentamento.
A casa de residência da Família Camêllo do novo consórcio Roque Camêllo, segundo Salomão de Vasconcelos, estará, em 2011, completando 300 anos de construída e serviu durante alguns anos aos Secretários da Capitania de Minas e São Paulo quando Mariana foi a Capital. Provavelmente é a mais antiga construção existente em Mariana porque em 1745, Dom João V, Rei de Portugal, mandou traçar e construir aquela que, hoje, é a cidade de Mariana. Não se conhece outra construção mais antiga. É oportuno, pois, um apelo: que esta casa seja tombada não só pelo município de Mariana, mas também pelo Estado e pela União. E que o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, o mais rápido possível, seja a entidade a tomar as medidas cabíveis para que se concretizem os tombamentos.
O mundo do magistrado, não pode ser diferente do mundo do jurisdicionado. Valho-me de confidência praticada por Francesco Carnelutti, repassando a nós, discípulos de suas lições, a carta que recebeu de seu amigo Eduardo Couture, assim: ”Deus me permitiu ver à minha maneira, que se o pintor não ama, seu modelo de retrato não vale nada, e se o juiz não ama o acusado em vão crê alcançar a justiça. Então compreendi que nem a caridade está fora da arte nem a graça fora do direito.”1
Antes de encerrar esta apresentação panegírica do acusado, como elemento integrante dessa comunidade, não posso deixar sem registro duas considerações pessoais sobre o acusado. Como o principal executivo da Fundação Educacional e Cultural da Arquidiocese de Mariana – FUNDARQ, o acusado é um dos principais responsáveis pela segunda restauração do setecentista Órgão da Sé de Mariana, único Arp Schnitger existente fora da Europa; um dos líderes, após incêndio, da restauração da Igreja Nossa Senhora do Carmo, em Mariana, sendo também um dos responsáveis pelo projeto de restauração das partituras musicais e instalação, em Mariana, do atual Museu da Música. Foi dele e do saudoso Dom Luciano Mendes a liderança da restauração e revitalização do majestoso Palácio dos
(1 CARNELUTTI, Francesco. Arte do Direito. Campinas: São Paulo, 2006, p. 88.)
Bispos, indo ambos buscar o apoio financeiro da Petrobras depois que este advogado, representando a Arquidiocese de Mariana, conseguiu a liminar na Justiça Federal de retomada da posse daquele monumento.
Integrou o acusado a Comissão encarregada da celebração do tricentenário de Santa Bárbara e este dado da realidade obriga este julgador ad hoc na prestação de um depoimento pessoal, circunstância que não nulifica o julgamento, apenas dá-lhe vida e sentido de verdade. Como sabido, coube-me presidir e liderar as comemorações daquele tricentenário. Roque Camêllo, o acusado, compunha, desde a primeira hora, a enorme Comissão que esteve à frente daquelas celebrações. As dificuldades políticas – locais – enfrentadas foram várias, algumas delas publicamente indizíveis. Foi Roque Camêllo o embaixador, o moderador, o conselheiro quem resolveu e desembaraçou todos os nós, todos os obstáculos postos à nossa frente. Quando a dificuldade política aparecia, lá estava Roque, paciente e ponderado. E tudo resolvia. Roque não promovia atalhos e nem dava razão aos que queriam ultrapassar pela direita ou pela esquerda. Ele sempre encontrava um caminho novo. Roque é, pois, o construtor do caminho do meio.
Tipificamos o delito e apresentamos o criminoso. É provável que Lombroso, neste caso, não descrevesse melhor a anatomia do meliante. Esta é a ficha corrida de Roque Camêllo. Ecce homo!
Resta saber agora, em relação ao palco do crime que tal cidade de Mariana é esta. Mariana se define nos seus vários apelidos, predicados, títulos e prerrogativas que reúne: - Mariana, a primeira capital de Minas. Mariana, a Roma de Minas. Mariana, cidade primaz. Mariana, a episcopal. Mariana, pedra fundamental de Minas. Mariana, síntese de Minas. Mariana, monumento nacional. Mariana timonato de Dom Viçoso, de Dom Silvério, terra amada de Alphonsus Guimarães, berço de Cláudio Manoel da Costa, de Santa Rita Durão, de José Joaquim da Rocha, de Diogo e de Salomão de Vasconcelos, de Pedro Aleixo, de Manoel da Costa Athayde e de Alphonsus Filho. E isto para lembrar apenas alguns já falecidos.
Tomemos agora os dados concretos do processo nas suas dimensões de direito material, substantivo e de direito processual, adjetivo. Não obstante a indigência das provas acusatórias e a soberba demonstração curricular desautorizadora da acusação, a Justiça Eleitoral de primeira instância impunha a Roque uma condenação, com a perda da sua condição de candidato regular à prefeitura de Mariana. Dessa decisão houve recurso ao Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais.
O fato processual que interessa está em que, quando do julgamento no Tribunal Regional, em Minas, em manifestação oral se questionou a tempestividade do recurso. Em síntese, não se teria observado o prazo que seria de vinte e quatro horas. Esta é a questão processual que ganhou relevo. É preciso percorrer a agenda do processo e o calendário de eventos. A decisão contra Roque, em Mariana, foi comunicada em data de 15 de agosto de 2008, às 18 horas. Não era uma sexta feira qualquer. Era o décimo quinto dia do mês de Agosto, data dedicada à celebração da assunção de Nossa Senhora, na cidade de Maria, Mariana. Este fato não foi considerado. A notificação não chegou à pessoa do acusado, fato também não considerado. Na verdade, a notificação sequer chegou, corretamente, ao procurador nomeado pela coligação eleitoral à qual pertencia o acusado. São fatos e circunstâncias processuais comprovadas documentalmente.
O recurso de Roque foi protocolado na data de 18 de agosto, segunda-feira. Somente por oportunidade do julgamento do recurso no Tribunal Regional Eleitoral estadual, em Belo Horizonte, tempos depois é que se questionou esse lapso temporal compreendido por um feriado religioso, um sábado e um domingo. Teria sido, então, o recurso de Roque, intempestivo. Arguiu o parquet que o prazo recursal teria sido o de vinte e quatro horas e que o recurso só teria sido protocolado no terceiro dia após a intimação.
São três, neste entrecho, os argumentos que protegem o comportamento processual de Roque. Em primeiro lugar, ele – o acusado – não fora regularmente intimado. Logo, não tendo sido intimado de modo regular, o recurso manifestado o teria sido, na primeira hora e, portanto, respeitado teria sido o prazo menor de vinte e quatro horas. Noutro norte, as disposições legais para o caso são confusas – recomendando-se um dispositivo legal a outro, sendo que num deles se está a dizer que o prazo recursal, para a hipótese, seria de três dias e não de vinte e quatro horas. Esta, aliás, foi a interpretação adotada pelo Tribunal mineiro. Há no mínimo, antinomia entre os dispositivos do art. 41-A da Lei no. 9.504/97, com o art. 22 da Lei Complementar no. 64/90, além do que prescreve o art. 258 do Código Eleitoral.2
Outro argumento veio surgir, ainda no curso da lide, quando se editou lei nova, afastando a aplicação duvidosa daquelas vinte e quatro horas e definindo que, para hipóteses que tais, o prazo passaria a ser de três dias. Roque viria a ser, todavia, vítima da tirania da lei velha e mal interpretada. A lei que chegou depois sequer foi considerada.3
Não se pode, a título de homenagem a quem quer que seja, fazer injustiça a quem delito não tenha cometido. É preciso dizer em alto e bom som que o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais enfrentou o tema, tanto na questão processual – tempestividade do recurso – quanto na questão do mérito. O acórdão produzido teve como relator o eminente magistrado – hoje decano dos advogados de Minas Gerais – Antônio Ribeiro Romanelli. No julgamento que se deu em Minas, não apenas se afastou aquela inexistente intempestividade, como se julgou o
(2 Art. 258 do Código Eleitoral: Sempre que a lei não fixar prazo especial, o recurso deverá ser interposto em 3 (três) dias da publicação do ato, resolução ou despacho.
3 Trata-se da lei nº 12.034, de 29.09.2009.)

mérito do caso para proclamar a inocência de Roque José de Oliveira Camêllo. Não se reconheceu, portanto, a existência de crime eleitoral algum. Foi assim que, por alguns meses, Roque, Mariana e Minas Gerais ficaram em paz. Com este clima favorável, Mariana teve a grande oportunidade de sua História, ou seja, ser governada por um homem de planejamento e visão do futuro. Roque Camêllo, preocupado com a economia do município, assentada preponderantemente na atividade mineral, que não dá duas safras além da herança maldita de agressão ao meio ambiente, contratou a consultoria de uma empresa especializada em diagnóstico de gestão e em estratégia governamental. Os estudos concluíram por uma ampla reforma administrativa com a criação de uma Secretaria de Planejamento e Gestão, cujo projeto foi encaminhada à Câmara Municipal. Era o que lhe competia.
Roque conseguiu superar a tormentosa crise econômica de 2009, que se abateu sobre os municípios mineradores, sem demitir funcionários, além de conseguir a conclusão de obras importantes como o Centro de Convenções e o Centro de Saúde. Na Educação, consolidou a implantação do tempo integral além do ensino de música em convênio com o Museu da Música. Encaminhou o tombamento federal do Sítio Arqueológico do Morro de Santana e Santo Antônio, o maior da América Latina, onde viveram mais de 20.000 escravos nos séculos 18 e 19. Conseguiu, com o decidido apoio do Ministério Público na pessoa do Promotor Marcos Paulo de Souza Miranda, integrante deste Instituto, da UFMG, da PUC/MINAS, do IPHAN, das Arquidioceses de Mariana e de Belo Horizonte, a devolução para Mariana, da Capela de Santana, um monumento de 1712, traslado para Belo Horizonte. Para o projeto de reinstalação da dita Capela no Morro do Gogô, foi contratada a arquiteta Jô Morais com a supervisão do IPHAN e aprovação do Ministério Público. Ampliou os contatos com o Ministério das Cidades e com a Companhia Vale para o saneamento básico do município cujo objetivo era melhorar as condições de vida do povo marianense. Sua meta com a qualificação urbana e paisagística e a revitalização dos monumentos era buscar junto à UNESCO a declaração de Mariana como Patrimônio Cultural da Humanidade. Era também o quanto lhe competia fazer.
Esta é apenas uma amostragem do que, infelizmente, Mariana passou a perder.
Voltemos à sentença que queremos repristinada e confirmada. Roque é inocente, declarou e reconheceu Minas Gerais.
O julgamento do mérito nunca mais foi abordado. Desse modo, o resultado útil do processo, no que substancial – existência de crime ou não, está definido. Não é incorreto dizer, neste ponto, que a inexistência de crime corresponde à matéria transitada em julgado, diante dos elementos formais da questão. Dela não mais houve recurso. Isto é tudo.
Não existindo o crime – o que está reconhecido -, esperava-se não subsistir a condenação tão desastrosa com base naquela tão bem superada questão do prazo. Não foi, todavia, este o desfecho do caso quando julgado pelo não menos Egrégio Tribunal Superior Eleitoral.
Aquele Tribunal Federal reconheceu como válido o recurso manifestado contra Roque Camêllo, reconheceu a intempestividade e Roque, assim como Mariana voltaram a ser penalizados, com a imposição de seu afastamento como prefeito municipal, cargo e função que ele já exercia, à altura.
Nesse passo, sobressai mais uma perversidade, no caso. É que o próprio recurso manifestado a partir do Tribunal Regional Eleitoral pelo ilustre representante do Ministério Público, também teria sido – adotando-se as regras e a práxis -, intempestivo. Não se teria observado a regra da intimação do recorrente, a partir da própria sessão de julgamento a que estivera presente o parquet recorrente. Desse modo, se vê que, em matéria de prazo, é que quando esteve em jogo o recurso de Roque, adotou-se a interpretação menos vantajosa para o recorrente. Noutro tempo, quando se esteve a analisar o recurso do Ministério Público, adotou-se interpretação mais vantajosa para aquele recorrente. Situação tecnicamente doida (no sentido de doída).
Não se deu acolhida à moderna tese do processo legal substantivo. Não se considerou o princípio da razoabilidade, ambos de matriz constitucional, da Constituição de Ulisses.
A conclusão após o julgamento no Superior Tribunal Eleitoral é exatamente esta: se mantém a certeza de que, no caso, delito não houve, mas condena-se o prefeito municipal de Mariana Roque José de Oliveira Camêllo.
Permitamo-nos, antes da conclusão desta sentença, uma reflexão filosófica. Não provém de Deus a criação do regime das horas, se dela se quer servir para contar o tempo e punir inocentes. O Supremo Criador – Ele o Autor da Vida – determinou que se fizesse a luz, em contraposição às trevas. Fiat lux!, e a luz foi feita. É dos homens, essa criação imperfeita, a criação das horas e dos minutos para melhor medir o tempo que passamos aqui na terra fazendo o bem e evitando o mal. Será preciso, portanto, perdoar aqueles que na interpretação das obras humanas – de modo inespontâneo e descuidado, acabam por produzir injustiças.
O julgamento oficial de Roque Camêllo ainda não terminou, no âmbito do Poder Judiciário Constitucional brasileiro. Restam alguns recursos e procedimentos próprios junto ao Supremo Tribunal Federal. Como eterno crente na Justiça, dos homens ainda espero pelo despertar das consciências de nossos julgadores, devolvendo a Mariana o prefeito que as urnas elegeram.
Francesco Carnelutti, logo nas primeiras páginas de sua obra Arte do Direito, diz que para apagar o pecado não há mais do que dois meios: “a pena e o perdão”. No caso, o equívoco da pena impõe a nós todos, em nome do Estado brasileiro, pedir a Roque Camêllo, o construtor dos caminhos do meio, que ele nos conceda o perdão.
Minas não pode mais esperar. Como o processo já está instruído; como os fatos estão postos e como a legislação aplicável já foi invocada, quis o destino que a oportunidade solene de promover publicamente o reconhecimento dos méritos pessoais de Roque Camêllo, se desse em forma de sessão de sua posse como membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
Assim, vistos e relatados, em nome da gente de Minas, fiel às provas coligidas, aplicando-se, exatamente, as leis que comandam a lide posta, ouso julgar improcedente a acusação, ferindo-lhe o mérito, para proclamar a inocência de Roque José de Oliveira Camêllo, arredando do caminho toda a acusação e injúria construídas, em face de tal processo.
Peço ao Presidente da Casa que autorize a publicação deste atrevido, mas oportuno texto-sentença, que confere a nós mineiros a dignidade dos portadores do sangue dos Inconfidentes, dos mártires da liberdade, defensores da democracia, com irrenunciável altivez. Concedamos a Roque Camêllo, o merecido bálsamo do desagravo.
Professor José Anchieta da Silva
Presidente do Instituto dos Advogados de Minas Gerais
Membro Efetivo do IHGMG - Cadeira nº. 57 – Patrono: Marquês do Paraná